domingo, 28 de novembro de 2010

Coma-me

                Cada mordida é um orgasmo. Não o sexual, mas melhor. É sensual, animal, é primitivo. Aquele gosto entorpecente que me vicia, que faz minha boca implorar por mais. Quero mais. Quero minha mandíbula rangendo, quero sentir e ouvir a cópula alimentícia dos meus dentes. Minha língua molhada, sedenta por trabalho, roçar na comida.  Meu estômago rugir impropérios pornográficos: ele quer ser penetrado.


                Aquela torta de limão que me dá orgasmo cerebral, a barra de chocolate que te dá o maior prazer, a banana que enche a boca de “quero mais”. A qualquer hora, onde quiser, como quiser, como se quiser. Sem fome, com fome, como fome, te como, me come. Comida nos dá tesão. Pegar, cheirar, lamber, enfiar tudo na boca, seja o pepino ou o hambúrguer, não importa, é tudo sexo. É gostoso. Comer é prazer.
                E em pensar que no fim tudo vira merda...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O tempo

                O tempo só passa assim, desigual. Não conta horas nem segundos. Mas às vezes conta os minutos do teu silêncio ou os dias da minha espera. O tempo é dilatação e comprimento, vem com o vento e o carrega embora a qualquer momento.
                O tempo encurta alegrias e prolonga sofrimentos. Não respeita relógios nem promessas, te faz atrasar e esperar. O tempo tira o teu tempo, e cada minuto é um lamento.
                O tempo é mais que uma dimensão
                É um sorriso, é uma alma, é uma vida
                É minha esperança de que acabe esse meu tormento.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Torrente

                Quero que as forças das águas invadam tudo. Acabem com tudo com seu poder de destruição. Quero ver sangue. Quero enchentes, tempestades, enxurradas, alagamentos e afogamentos. Minha alma afogada. As ruas se transformarem em rios perenes e as escadas em cachoeiras impetuosas. Eu quero o fim. Porque com o fim vem o recomeço.
                Recomecemos então. Vejam o rastro de brilho e esquecimento que a água deixou. Agora está tudo limpo para se começar de novo. Não há mais lixo, obstáculos, esgotos, memórias desagradáveis e toda aquela imundice de outrora. Não há pessoas, está tudo vazio novamente. Vamos limpar a casa, reorganizar os móveis, tirar o que não presta mais e o que nunca prestou. Façamos uma festa de inauguração. Convidem quem quiser. Vamos nos divertir, agora que está tudo purificado.
                Mas eu não tenho água.
                Apenas tenho a sede.