segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Evaporação

Essa noite chorei por todos vocês. Vocês que me amaram, vocês que me rejeitaram, que rejeitei, que esqueci e vocês que eu sei que nunca existiram nem existirão. Chorei por meu coração estrangulado, pela minha língua queimada, pela minha boca lacrada, por esse meu ser condenado e por esse vão vazio deserto sombrio que me assombra. Nessa noite me enrolei em cobertores e casacos e disfarcei com tremores de frio essa dor no peito que não passa de uma carência. Tentei dormir mais cedo para não prolongar essa tragicidade melancólica, mas a única coisa que consegui fazer foi revirar túmulos e procurar palavras que não deveriam mais existir. Nessa noite, palavras de acalanto e esperança que talvez existissem não surtiriam efeito, sumiriam junto com esse vapor de lágrimas.
             Nessa noite eu quis um abraço.


sábado, 1 de outubro de 2011

Vontade

Aquela vontade transcendental de jogar tudo pelos ares num grito que te rasgue a garganta em sangue, de expressar seu ódio num isolamento de uma cabana no interior da Toscana sob queijos e vinhos e nenhuma alma humana condenada, de pegar a própria cabeça e rebentar contra a parede até que se estourem todas as mágoas pensamentos questões arrependimentos depressões desejos solidões. Aquela vontade de reescrever a vida, começar tudo de novo, esquecer tudo o que passou, e acreditar que nada daquilo se repetirá. Aquela vontade de ter esperança.
Aquela vontade de comer feijão com arroz no almoço.               
De pegar o teu pescoço e apertar e sacudir como se fosse um travesseiro de penas, que se rasgasse e voassem as penas, que sujasse tudo, que tuas veias estourassem e por ali não saísse só sangue, mas também vingança e aquele líquido viscoso e indesejado chamado arrependimento, um pedido de desculpas que irei dispensar e a minha redenção. Queria enfiar-te uma faca no meio do tronco, rasgar tua pele e arrancar tuas vísceras a procura da tua alma, para torturá-la para saciar esse meu desejo sádico e depois roubá-la e vendê-la para um qualquer que a fizesse sofrer como fizeram comigo.


Vontade de fugir desse abrigo ou prisão ou chiqueiro ou senzala ou, como costumam chamar, casa, e encontrar uma estrada que me levasse ao fim desse mundo. Uma estrada que não houvessem buracos nem caminhões nem carros, muito menos humanos transitando – esses quero longe -, uma estrada que o meio de transporte fosse um estado de transe espiritual em que não se precise de gasolina nem companhia.
Aquela vontade de jogar sal no chão para que ali não cresça mais nada, cuspir na terra e gritar impropérios ao alto para ver se o Universo compreende minha insatisfação.
Aquela vontade de que todas essas vontades fossem verdades, e não um simples desejo de encontrar aquele aconchego emocional em almas alheias.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Gozei flores

Eram vermelhas, rosas com espinhos. Com suas pétalas enrugadas e vermelhas e enroladas como um esfíncter anal e espinhos rígidos e duros e infinitos. Ficaram ali no chão a apodrecer desaparecendo no desgosto da putrefação e do descaso da natureza, que as deixou entregue aos fungos e bactérias e formigas. Olhei pra baixo e vi aquele gozo que não era flores, mas sim veneno e espinhos de desengano, sujando o chão com sua gosma fétida e incensando o quarto com seu odor desagradável.
Limpei com papel higiênico como se fosse uma vagina suja.


          Mas não consegui jogar fora, não achei o lixeiro. Deixei ali no cantinho do meu quarto junto com todos os outros lixos que não foram descartados, todos os papéis não aproveitados, todos os gozos desperdiçados. Todas as lágrimas, todas as maquiagens borradas, os catarros escorridos, as dores, os arrependimentos, os desejos e pulsos cerrados.
            Não era um gozo. Não eram flores. Era uma decepção.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Exemplar

Rostos que me trazem lembranças. De toques que me trazem suspiros. De palavras que me trazem dor. São rostos enfileirados, um atrás do outro, cada um com seu traço. Cada um com sua história. Cada um com alegrias e tristezas. Rostos diferentes que no fundo são iguais: são gozo e lágrima.


                Alguns desses rostos já sumiram: manchas brancas e negras do passado. Outros de vez em quando emergem em lembranças, em ódio ou saudade – carência. Rostos que me perseguem. Rostos que já não me seguem. Rostos que não são rostos, são máscaras, são demônios ou anjos disfarçados. Sou um rosto, mas chega de rostos.
                Saturação.
                Quero um corpo. Sem rosto.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Impulso

                O impulso é nervoso. Só age, não pensa. Treme. Não hesita. É quando aquele desejo é posto em prática. É quando meus lábios tocam os teus sem as devidas consequências medidas. É aquele coração acelerado, na garganta. É aquele frio nas mãos, o estômago embrulhado com um laço vermelho. O impulso é carência, é seca, desespero. Ou é ódio, irritação, repulsa. É amor. Ou dúvida.
                Ou seria o impulso a certeza?


                O impulso é quando não resistimos mais. E até quando podemos aguentar? Por quanto tempo podemos segurar nossos lábios, nossas mãos, nossas gargantas para nós mesmos? Nossa alma. Até quanto tempo conseguimos mentir para nós mesmos, para os outros? Por quanto tempo aguentamos esse fluxo turbulento de pensamentos até que, finalmente, um impulso paralise o tempo e decida o nosso futuro? Que se ignorem os arrependimentos e felicidades.
                Só quero saber por quanto tempo aguentarei até que esse impulso me jogue sobre você.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Chuva

                Encolhi-me na chuva. Encolhi-me nos trovões. Não sei se eram trovões de nuvens se chocando ou de minha alma gritando. Nem se aquele barulho era de chuva caindo lá fora, atrás da janela empoeirada que me fecha nesse quarto frio e vazio, ou se era apenas minha alma em prantos. Não há música de amor. Só o silêncio do choro agonizante e os urros dos céus, em forma de trovões que fazem o corpo tremer – ainda mais.


               Passei essa noite em claro, no escuro. Não importa se os olhos estavam fechados ou abertos, só se via trevas. E hoje do mesmo jeito. Nesse novo dia que traz marcas da noite passada. As lágrimas indigestas que escorrem pela janela; o céu negro em escândalo e luto pelo amor; aquela sensação cinzenta. Nessa chuva é assim: não há horizonte. O futuro, a esperança, as chances de que algum dia se veja o brilho do Sol, está tudo ofuscado por uma nuvem densa que parece não planejar ir embora. Aquele hóspede incômodo.
              Então eu percebo que aquele barulho não era de água caindo no chão. Eram aplausos. Aplausos das árvores em reconhecimento de minha vitória.
              Eu ganhei.
              Consegui ser mais deprimente que essa maldita chuva de outono.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Os pêlos

                Não sei se isso é importante. Não sei se foi mero acaso, acidente ou um ato deliberado. Não sei se foi premeditado ou consensual – ou só sensual. Não sei se minhas dúvidas são na verdade desejos, esperanças.
                Mas eu tenho certeza que aquela conversa não importou. Todas aquelas palavras e olhares trocados, os sorrisos, nada disso foi importante. Tudo isso se ofusca diante aquele instante. Aqueles milésimos de segundos em que nossos braços ficaram tão próximos que... As pontas de nossos pêlos se tocaram. E aquele silêncio que durou todos os milésimos de segundos do nosso pequeno contato, segundos que pareciam horas, torturado por meus pensamentos – o que será que tu pensavas? Será que estava sentindo também? –. Aquele arrepio, aquela sensação de proximidade foi quase um beijo. Poderia ser um beijo. Poderia ter sido mais. Os pêlos se aproximando, mais e mais, roçando, esmagando um ao outro até chegar ao toque da epiderme. O ápice, o encontro máximo de dois corpos: o toque.


                Aquele encontro mínimo, meus pêlos roçando nos seus, aquele breve instante quase que insignificante capaz de despertar todos os sentimentos e desejos reprimidos, aquela vontade de percorrer todo o seu braço – não só aquele pequeno ponto de contato que tivemos – e explorar aquelas áreas ainda não reveladas. A vontade de, na próxima vez, encostar a minha perna na tua, como que por acidente, para você saber que estou ali, te desejando, desejando que tu me desejes.
                A vontade de que, na próxima vez, não seja só os pêlos.

sábado, 26 de março de 2011

Na praia

Eis que vem aquela onda que traz todo o lixo para esta praia que já não era tão limpa quanto outrora. Suja as areias com toda sua imundice de memórias que não se entregam ao esquecimento. A praia fica assim, suja como minha memória, com latas e recordações que deveriam ter sido recicladas. Por aqui não há catadores de lixo ou agentes de limpeza, apenas poluentes. Andar por essas bandas já não é mais permitido, e mesmo que fosse, quem se arriscaria a pisar em alguma vergonha do passado? Quem se arriscaria a repetir os mesmos passos dos quais tanto se arrepende?


                Mas há aquelas ondas benignas. Aquelas que não trazem lixo. Aquela que traz a recordação do teu toque, do teu abraço. A onda da saudade. Que tem seu lado bom, aquela sensação boa de bons tempos; e que também tem seu lado ruim: vai embora muito rápida. É quando você percebe que era só uma onda. Não havia um amor ali, apenas água. E espuma.
                E logo depois vem o lixo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Desilusão

Fiquei assim


















vazio.

domingo, 6 de março de 2011

Defeito de fábrica

Sabia que era um produto imperfeito. Mas não me disseram que quebraria assim fácil. Não me disseram que deixaria de funcionar assim tão rapidamente. Antes eu soubesse. Disseram que eu ia quebrá-lo primeiro. Mas foi o contrário, como sempre. Ele se quebrou sozinho, ele me quebrou, o tal maldito produto com defeito.
Confesso que não li as instruções. Confesso que não sabia tudo o que ele tinha pra oferecer, ou o que ele não tinha pra oferecer. Talvez eu tenha aproveitado tudo durante esse breve momento, ou talvez não, talvez eu precisasse de mais um tempo com o meu bem.


Mas não importa, está quebrado. Quebrou e não tenho cola. Uma hora ou outra ele ia quebrar, é o que dizem. Mas valeu tudo o que paguei por essas curtas horas de prazer? Talvez a falta que eu sinto, a saudade e a angústia sejam apenas mais uma forma de responder que sim. Ou talvez sejam simplesmente uma forma de me ensinar a não me apegar a algo que se mostrou propício a defeitos logo assim que tirado da caixa.
Chorei pela rachadura que não vou colar, era um produto único. Mas não vou mais desperdiçar cola, a essa altura ela já está acabando. Sem contar que essas coisas coladas nunca tardam a se quebrarem novamente. Deixo essa tarefa, a de reparos, para alguém que ainda tenha cola de sobra. Assim talvez meu produto quebrado tenha mais algum tempo de vida útil.
Boa sorte ao reparador.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ao garçom

Havia esse garoto que parecia ter uma sede insaciável. Uma sede meio que metafórica, digamos assim. Ele tinha sede do que não tinha. Ou melhor, ele tinha sede do que não existia. Do que nunca poderia ter. Esse garoto sofria, então, de um mal chamado de desilusão. Sim, coitado, era um desiludido. Não há o que fazer, é uma doença, muito provavelmente, sem cura – até presente momento.
                O pobre garoto sentia-se manipulado por forças exteriores que o obrigavam a sentir certas emoções que ele não deveria sentir. Então ele sofria, o coitado. Sofria com a maldita boca seca. Faltava água em seu coração. Esse líquido tão misterioso, que parece ser tão inacessível, capaz de sumir com todas as rachaduras do seu músculo cardíaco.



                Então, em lágrimas, em prantos, em momentos de exaustão e preces desesperadas, o garoto pedia todas as noites, que, por favor, lhe dessem água. Que lhe dessem alguém por quem ele poderia nutrir seus mais puros e verdadeiros sentimentos sem sentir a mínima sede.
                Só um copo d’água. Com gelo.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Acabado

                Acabou. E, como sempre, em lágrimas. Afinal, são elas as que finalizam tudo. São elas que puxam tudo que lá dentro estava preso. E libertam. Afogam. Lágrimas afogam tudo aquilo que queremos deixar para trás. Libertam alegrias, sufocam desilusões. Tão simples, aquelas gotinhas, e jorram só por um abraço amigo e palavras de consolo, ou despencam com uma ligação desagradável.


                Mas elas não marcam só o fim. Marcam o suspiro da preparação. Preparação para um novo começo. Respira-se fundo e segue-se em frente. As lágrimas, as de mágoas, aquelas que parecem nunca secar e doem a alma em soluços intermináveis e lamentos de ódio e arrependimento, que fiquem pra trás. Agora só quero as boas. Um banho de lágrimas de alegrias. Quero que dos meus olhos, agora, só saiam lágrimas de alegrias. O resto que se afogue.
                Hoje afoguei 2010 e muitas coisas.