sábado, 1 de outubro de 2011

Vontade

Aquela vontade transcendental de jogar tudo pelos ares num grito que te rasgue a garganta em sangue, de expressar seu ódio num isolamento de uma cabana no interior da Toscana sob queijos e vinhos e nenhuma alma humana condenada, de pegar a própria cabeça e rebentar contra a parede até que se estourem todas as mágoas pensamentos questões arrependimentos depressões desejos solidões. Aquela vontade de reescrever a vida, começar tudo de novo, esquecer tudo o que passou, e acreditar que nada daquilo se repetirá. Aquela vontade de ter esperança.
Aquela vontade de comer feijão com arroz no almoço.               
De pegar o teu pescoço e apertar e sacudir como se fosse um travesseiro de penas, que se rasgasse e voassem as penas, que sujasse tudo, que tuas veias estourassem e por ali não saísse só sangue, mas também vingança e aquele líquido viscoso e indesejado chamado arrependimento, um pedido de desculpas que irei dispensar e a minha redenção. Queria enfiar-te uma faca no meio do tronco, rasgar tua pele e arrancar tuas vísceras a procura da tua alma, para torturá-la para saciar esse meu desejo sádico e depois roubá-la e vendê-la para um qualquer que a fizesse sofrer como fizeram comigo.


Vontade de fugir desse abrigo ou prisão ou chiqueiro ou senzala ou, como costumam chamar, casa, e encontrar uma estrada que me levasse ao fim desse mundo. Uma estrada que não houvessem buracos nem caminhões nem carros, muito menos humanos transitando – esses quero longe -, uma estrada que o meio de transporte fosse um estado de transe espiritual em que não se precise de gasolina nem companhia.
Aquela vontade de jogar sal no chão para que ali não cresça mais nada, cuspir na terra e gritar impropérios ao alto para ver se o Universo compreende minha insatisfação.
Aquela vontade de que todas essas vontades fossem verdades, e não um simples desejo de encontrar aquele aconchego emocional em almas alheias.