domingo, 12 de dezembro de 2010

Miopia

                E esses metros, esses quilômetros, que significam? Porque toda essa distância se nossas almas estão tão juntas? Ora, essa distância é apenas um punhado de terras inférteis, cidades putrefatas e rios insalubres. Nossa proximidade é muito mais que isso. Nossa proximidade é sorriso, suspiro, desejo. Afeto, paixão, sensualidade, tesão.


                Mas não nos esqueçamos da distância. Essa distância que corrói, que machuca, que mata. Não poder olhar em teus olhos e saber o que estás pensando. Abraçar-te. Beijar-te. Não posso olhar em teus olhos e sorrir. Não, há uma distância e não consigo enxergar através dela. Queria um binóculo, uma luneta, um telescópio, para te ver aí onde você está, ver o que você está fazendo, em que posição se sentas, deitas, se está comendo, dormindo, com quem conversas. O que fazes?
                Mas o que eu queria mesmo era não ter que escrever isso.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Os olhos

             Eu só queria que me deixassem fechar os olhos e ter paz. Eu fecho, e, quando finalmente penso que tudo lá fora já se acalmou, abro os olhos e lá está de novo na minha frente: outra ilusão. Lá vem de novo meu coração gelar, meus pelos se arrepiarem, minha respiração suspirar. Não quero ter que escrever, de novo, outras declarações de amor. Não quero ter que desperdiçar aquelas mesmas palavras. Não quero perder o apetite nem o sono. Só quero ter minha vida normal, sem tais interrupções.
              Não quero ter outra música – mais tarde vou querer ouvi-la sem me lembrar de ninguém. Quero ir dormir sem esperar nenhuma mensagem. Acordar sem uma ligação e um suspiro. Levar o dia sem nenhum compromisso. Não ter que saber que no fim tudo vai desmoronar. Não quero que seja preciso tratores para me tirar dos escombros.


              É muito pedir uma trégua? Ficar só eu e minhas pálpebras? Nós dois, numa relação de amor. Mutualismo. Um protegendo o outro. E sim, minha pálpebra é perfeita.
  E perfeição é uma coisa que nunca encontraremos de olhos abertos.

domingo, 28 de novembro de 2010

Coma-me

                Cada mordida é um orgasmo. Não o sexual, mas melhor. É sensual, animal, é primitivo. Aquele gosto entorpecente que me vicia, que faz minha boca implorar por mais. Quero mais. Quero minha mandíbula rangendo, quero sentir e ouvir a cópula alimentícia dos meus dentes. Minha língua molhada, sedenta por trabalho, roçar na comida.  Meu estômago rugir impropérios pornográficos: ele quer ser penetrado.


                Aquela torta de limão que me dá orgasmo cerebral, a barra de chocolate que te dá o maior prazer, a banana que enche a boca de “quero mais”. A qualquer hora, onde quiser, como quiser, como se quiser. Sem fome, com fome, como fome, te como, me come. Comida nos dá tesão. Pegar, cheirar, lamber, enfiar tudo na boca, seja o pepino ou o hambúrguer, não importa, é tudo sexo. É gostoso. Comer é prazer.
                E em pensar que no fim tudo vira merda...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O tempo

                O tempo só passa assim, desigual. Não conta horas nem segundos. Mas às vezes conta os minutos do teu silêncio ou os dias da minha espera. O tempo é dilatação e comprimento, vem com o vento e o carrega embora a qualquer momento.
                O tempo encurta alegrias e prolonga sofrimentos. Não respeita relógios nem promessas, te faz atrasar e esperar. O tempo tira o teu tempo, e cada minuto é um lamento.
                O tempo é mais que uma dimensão
                É um sorriso, é uma alma, é uma vida
                É minha esperança de que acabe esse meu tormento.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Torrente

                Quero que as forças das águas invadam tudo. Acabem com tudo com seu poder de destruição. Quero ver sangue. Quero enchentes, tempestades, enxurradas, alagamentos e afogamentos. Minha alma afogada. As ruas se transformarem em rios perenes e as escadas em cachoeiras impetuosas. Eu quero o fim. Porque com o fim vem o recomeço.
                Recomecemos então. Vejam o rastro de brilho e esquecimento que a água deixou. Agora está tudo limpo para se começar de novo. Não há mais lixo, obstáculos, esgotos, memórias desagradáveis e toda aquela imundice de outrora. Não há pessoas, está tudo vazio novamente. Vamos limpar a casa, reorganizar os móveis, tirar o que não presta mais e o que nunca prestou. Façamos uma festa de inauguração. Convidem quem quiser. Vamos nos divertir, agora que está tudo purificado.
                Mas eu não tenho água.
                Apenas tenho a sede.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Fungada

              Cada inspiração é um flash. Uma lembrança. Uma alfinetada no coração. Cada vez que inspiro nos vejo na cama, me vejo em teus pés, sinto como se nossas pernas ainda estivessem entrelaçadas. A expiração dói. Sai rasgando esse delírio e deixando um rastro de sangue e ódio. Age como uma maldita diabetes que não deixa essa ferida aberta e purulenta na minha alma cicatrizar. Dela só sai pus. Pus e lamentos.
                O momento entre uma expiração e uma inspiração é breve, e nesse momento não te vejo, pois você está num vazio de um passado. Mas depois de uma expiração vem uma inspiração, e aqui está você comigo novamente, na minha cabeça. E eu sinto ódio. De você e de mim mesmo. Odeio ter me iludido, ter sido bobo e ainda me amolecer desse jeito quando inspiro.
                E então eu peço socorro. Imploro para que minha sinusite congestione meu nariz novamente e me impeça de sentir o cheiro desse meu perfume novo, que por acaso de um destino maldoso é igual ao seu. 

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O que está por trás

    Havia certa vez um pobre garotinho que sonhava em ser invisível. Tentava de tudo, o coitado, mas não conseguia. Fazia receitas, magias fantásticas, pesquisava na internet, e nada. Então que surge seu irmão mais velho e diz que o único meio de se tornar invisível era se olhar através de um espelho invertido, mas que tomasse cuidado, pois era muito perigoso. O garoto, então, sem hesitar, pegou um espelho e virou-o de costas. E lá estava tudo cinza, não havia reflexo dele algum. Estava invisível, finalmente? Resolveu testar.
                O garoto foi até o seu irmão e tentou chamar sua atenção, sem obtê-la. Estava, de fato, invisível. Estava tão feliz que resolveu correr às ruas e tocar o caos na população, explorando seus mais novos misteriosos poderes de invisibilidade. Mas, ora, assim que saiu em disparada pelas ruas, esbarrou numa mulher, que gritou: ei, cuidado, moleque.
             Desconsolado, o pobre garoto sentiu pela primeira vez uma desilusão. Estava acabado, tudo por água abaixo. Mas as crianças, sagazes como são, sempre espertas e otimistas como só elas sabem ser, sempre têm uma solução. O garoto então supôs que a mulher com quem ele esbarrara na verdade era uma feiticeira e que somente ela podia vê-lo. Só que ele não tinha certeza disso, ainda havia aquele resquício de dúvida.
                Estava bastante concentrado em seus pensamentos, quando, ao atravessar inadvertidamente a rua, foi atropelado por um carro. “Estou invisível”, pensou o garotinho num sorriso, pouco antes de morrer. “Ele não me viu”.
  Ao menos morreu feliz, segundos antes das pessoas chegarem para socorrê-lo. Se as tivesse visto tentando reanimá-lo, teria entendido que a felicidade não era mais que uma infantil ilusão.

sábado, 16 de outubro de 2010

All he you

             Ficar em silêncio e deixar a hora andar, o vento soprar e as formas se metamorfosearem. Nesse recanto de silêncio deixo o som passar sem me notar. Não há vibração, nem as cores se distinguem. Recolho-me nesta bolha não por pretensão, mas pela necessidade idiossincrática de descanso desse mundo frenético. Nesse meu hiperespaço você não me atinge. Aqui, você não existe, nunca existiu, nem existirá. Não há você, apenas eu.
                Em minha volta só há sorrisos bobos, palavras desperdiçadas e atos fúteis. Não entendo bem essa agitação, esses gritos todos e o desespero por atenção. Não quero atenção. O que quero é um jeito de ver sem ser olhado. Beijar sem esperar resposta. Amar sem precisar de retribuição.
                O que quero é prazer sexual, sensual, amoroso, espiritual. Não quero discussões e imaturidades. Nem falsa maturidade. Espero que ninguém importune essa paz.  Dispenso os desnecessários, agora que já conheço esses muito bem. Reservo o espaço para aqueles que, como eu, prezam pela valorização.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Das crianças

Então se chega ao dia em que queremos voltar ao passado. O dia em que nos arrependemos de ter crescido. Lembramos então daqueles tempos de outrora quando ansiávamos por crescer e conhecer um mundo que nos parecia tão empolgante. E aqui estamos. Percebemos, finalmente, que fomos iludidos. Não nos falaram como seriam realmente nossas responsabilidades, o quanto sofreríamos e que nosso tempo iria parecer que diminui a cada dia. Queremos voltar aos velhos passados, buscar respostas não respondidas e dessa fez envelhecer preparados. Mas é só um sonho. Na verdade ninguém quer mesmo passar por tudo novamente.
                Mas há essa saudade, nostalgia, fascinação pelos pequenos, miniaturinhas de nós mesmos. Gordinhos, sorridentes e de uma energia que parece nunca acabar. Invejamos. Invejamos aquela alegria incompreensível, o desejo de brincar, a vontade de viver. No fundo, todos nós queremos resgatar um pouco a criança que um dia existiu em nós, apesar de sabermos que essa criança não mais existe, já cresceu, já apodreceu. Foi corrompida. Molestada por nós mesmos.
                Bons tempos aqueles. Lamentamos por não existir mais dias assim. E, a cada geração nova, vemos que o mundo está mudado. Que nem mais as crianças são feitas como antigamente. Sim, são produtos. Lamentamos e desejamos que tudo voltasse a ser como antes.
                Singelo. Inocente. Que nem as crianças.


E feliz Dia das Crianças. Pra você, que já não é mais uma.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Mistério

    Fico olhando e me perguntando todas as implicações. O que aconteceria? Como seria? Pergunto-me qual seria a sensação – a textura, a temperatura. Ou o gosto, quem sabe. Duvido se algo mais poderia haver. Imagino o que mais há aí dentro. O que se passa.
                Muitas vezes fico preso nesse meu enigma particular, desviando minha atenção, tentando, creio que em vão, responder pelo menos uma pergunta. Mas cada minuto que passa é uma questão a mais. Uma incerteza.
                Procuro em cada letra, célula, pêlo, procuro pistas de algo que me dê alguma esperança. E perco o fôlego.

                E fico aqui, todo sem ar, me perguntando o que você fez noite passada para dormir na aula inteira.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Agora que estou mais velho

Não os vejo mais com os mesmos olhos. Agora que estou mais velho posso apenas ficar aqui sentado e assistir impassível a esse show de aberrações. Aberrações que eu digo, não aquelas de circo, mas dessas que convivemos todos os dias. Infantilidade. Idiotice. Exibicionismo.
Quando eu não era mais velho ainda, me perdia nesse caos de sentimentalismo. Tantas coisas com as quais eu não sabia lidar. Não tinha experiência suficiente para prever certas decepções. Mas agora que já sou mais velho já posso enxergar através da velha máscara do amor.
Eu não era mais velho ainda quando tentei ser feliz. Eu não era mais velho ainda para ter estabilidade. Mas agora posso. Já sou mais velho o suficiente para estabilidade. E já estou mais velho o suficiente para não querer essa estabilidade com você.
  E quando eu percebi que já era mais velho, abri os olhos pela primeira vez.  Percebi, então, que meus olhos mais novos eram imaturos demais para perceber toda a verdade por trás das coisas. Toda a falsidade, a solidão, a desilusão.
Mas não tem problema, agora que estou mais velho não me preocupo mais com isso. Porque agora sei que as coisas são muito mais do que aqueles inúteis desejos. E qualquer um pode ver isso, depois do tanto caminhei.
Agora que estou mais velho.


Qualquer semelhança com a música Now That I'm Older de Sufjan Stevens não é mera coincidência. Mas minha singela homenagem ao gênio que tanto me inspira.

domingo, 12 de setembro de 2010

Vazio

Abraços quentes, noites em concha, mãos que são dadas, palavras que são carinhos, passeios compartilhados, eus que são te amo, jantares em dupla, sorvetes divididos e uma cama tão quente quanto aquele abraço. Passado a ser lembrado, futuro esperado. E o presente: a ser aproveitado. Coisas que não me vieram preencher.
        Sinto falta daquilo que nunca tive. Daquilo que nunca tivemos. Saudades do que nunca experimentei – sentimentos confusos de uma alma inconsistente. São esperanças que se confundem com um passado que nunca existiu, um futuro que nunca chegará e um presente que não há.
         Mas eu sei que, na verdade, toda essa saudade não passa de meu sonho impossível de te ter preenchendo o meu vazio.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

João e Maria

             Vá seguindo com seus passos firmes e sérios. Estou bem aqui, logo atrás de você, à espreita, te acompanhando – com os passos e com os olhos. E com o coração, quem sabe. Sigo em silêncio, mas sei que você sabe que aqui estou; você se vira, me vê, com aquele olhar rígido e impenetrável, nossos olhares apenas se encontram, por um breve momento, que, por sinal, significa até demais para mim, mas você volta para onde estava e segue a estrada. Mas estou aqui, não se esqueça. Estou aqui, bem atrás, sinto teu cheiro e vejo teus gestos, observando
Cada
Detalhe
Seu.
E é a única coisa que posso fazer, catar suas migalhas, até que um dia você decida esperar por mim e seguir o resto de sua trilha ao meu lado.
             E nossos dedos entrelaçados.

domingo, 29 de agosto de 2010

A vida em abstração ortográfica

A vida é assim corrida depressa apressada sem descanso nem pausa pra respirar sem vírgula ou pontuação não há assento de espera ou pausa para o almoço você tem que acompanhar é assim mesmo meu caro cansativa siga o rumo não perca a linha nem saia do parágrafo quando menos se espera já se passaram quatro linhas ou trintas anos ou então já é tarde demais então aproveite leia tudo direito não se atrapalhe mas cuidado não há vírgulas não se confunda preste atenção e interprete corretamente porque o tempo vai passando e então os acentos desaparecem e tudo vai ficando cada vez mais confuso e voce nao entende o motivo dsa letars embralhads ams é apeans o tepmo passando e então essa vida confusa calamitosa curta e exausta finalmente chega ao fim com seu derradeiro ponto final.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Só riso

No sorriso se vê mais do que dentes e gengivas, mas uma alegria ou uma tristeza. No sorriso vemos um dia, uma semana, uma vida. No sorriso, que nos parece tão simples, há um ato de complexidade, uma alma embutida. Por teu sorriso vemos quem tu és, teu caráter, tuas intenções. No sorriso se vêem marcas, cicatrizes, restos de um amor perdido. Ou encontrado. No sorriso encontramos resto de alface do almoço passado, ou um simples dente restaurado. Ah, um sorriso... Com ele nos escondemos, fingimos, tentamos dizer que está tudo bem. Com o sorriso conquistamos, paqueramos, seduzimos, iludimos. Com o sorriso se agradece, se desculpa, se magoa, se diz que eu te amo. Um sorriso pode ser fatal ou salvar a tua vida. O sorriso santifica e condena. O sorriso é a máquina do amor, da morte, da dor.
O sorriso, de cinismo ou prazer, do que agrada ou mascara, aquele que ri das piadas, que te dá bom dia, que te cala a boca, é só um riso.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Do tempo que se passa

               Já bebi, já roubei, já amei, já chorei, já sorri, já transei, já pus um piercing, já casei, tive filhos, me divorciei, já viajei, já fui preso, fiz tatuagens, aprendi outras línguas, já experimentei dos dois sexos – e gostei –, já menti, já fugi, já fingi, já dancei, vomitei, me droguei, já magoei, já traí, já fui traído, já fui emo, pagodeiro, baladeiro, já briguei, já gritei, já fui convertido, seduzido, iludido, minha experiência agora me convence de que já se foi tempo demais.
                Agora já estou partindo, cansado, satisfeito por ter aproveitado essa vida que me foi dada mesmo sem eu a ter pedido. Aproveitei, sim, abusei, admito, me desgastei e agora estou cansado, pensante, pensando se fiz o certo. Pensando se sofri por amor, roubei por emoção, magoei por bobagem, transei por prazer, menti por sacanagem, pus um piercing por vaidade, bebi por diversão, se vivi em vão. Não sei. Não sei se tudo isso, por mais supérfluos que sejam, me enriqueceram a alma ou se a envelheceram.
                E aqui, perto da minha despedida, eu fico pensando em todos os meus anos de busca incessante por prazer. Então vejo que sempre busquei aquilo que chamava de felicidade nos outros, esquecendo-me do único lugar onde poderia encontrá-la: em mim mesmo. Dei prazer a meu corpo, ao meu ego, me enganei, e agora minha alma se vai, insatisfeita com a vida que lhe foi roubada, enquanto meu velho corpo ficará aqui, para sempre, nesse mudo terreno que já conhece até demais.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Dos amigos

Naquele dia, aquele garoto acordou com seu mais normal primeiro pensamento do dia: era apenas mais um dia e um dia a menos. Ao abrir os olhos deu uma rápida olhada no seu quarto metodicamente organizado e bonito. Mas faltava alguma coisa ali, faltava algo, talvez alguém. Sim, era isso, aquele garoto estava se sentindo sozinho. Sempre tinha essa sensação melancólica ao acordar sozinho na sua cama quentinha, o que quase sempre ocorria. Estava mal acostumado, quem sabe.
Foi até a cozinha e ali preparou seu café-da-manhã. Comeu, sem a mínima vontade. A comida repetida de todos os dias anteriores e o silêncio constrangedor que tomava conta da casa vazia o deixava inquieto, ansioso, deprimido e sem fome. Então, subitamente, escutou seu celular tocar. Seu coração disparou e correu eufórico até o quarto, animado por alguém o estar ligando. Pegou o celular e viu que era uma mensagem. O que será que dizia? Perguntou-se, aflito. Mas era apenas uma mensagem de propaganda.
                Mas o que não sabia aquele ingênuo garoto era que ali, espalhadas por alguns cantos da cidade, estavam as pessoas mais importantes da sua vida: seus amigos, aquelas pessoas especiais que todos sabemos quem são e que não preciso descrever aqui. Estavam dormindo, acordando, executando suas mais simples rotinas do despertar o dia. Daqui a pouco, lembrariam dele, dariam um sorriso ao lembrarem-se dos melhores momentos das suas vidas que, coincidentemente ou não, ocorreram ao lado dele.
                O garoto de quem vos falo então se deu conta de como seus amigos eram importantes para si. Lembrou-se das antigas amizades, desgastadas com o tempo, esquecidas em seu passado remoto. Das atuais amizades, juradas eternas em abraços calorosos e inesquecíveis, que, quem sabe, durarão até um horizonte que ainda não pode ser visto, ou acabarão se desgastando e acabando juntamente com as promessas de para sempre. E, sim, ele estava ciente de que as amizades verdadeiras são eternas. Mas, meu caro, tenhamos em conta de que os acasos da vida estão sempre aqui para nos passar a perna, então, nesse caso, o eterno parece-me uma coisa um tanto que abstrata. Pensou também nas futuras amizades. Nas pessoas que estão por vir em sua vida, com quem desenvolverá um afeto quase que inexplicável, desenvolvido em situações de extremo agrado e risos e prazeres.
                Ah, amizade, pensou o garoto que agora estava tomado por uma sensação de êxtase e leveza. Levantou-se animado. Queria ligar para todas aquelas pessoas, as passadas, as presentes, as futuras. Queria dizer a elas o quanto elas eram importantes para ele, que elas o formaram como um ser humano amante e sensível, que elas deram motivos para ele continuar com essa vida desgostosa e que sem elas nada faria o menor sentido. Queria dizer que quem tem amigos como esses não precisa de mais nada na vida.
                Ora, o garoto pegou então seu celular, apagou a mensagem de propaganda e discou o número infinito que englobava todas as pessoas do mundo, todas aquelas que amava, com quem se importava, as quais queria que estivessem consigo ali, agora, aqui, para todo o sempre, e disse numa voz envolvida de lágrimas e sentimento de puro amor:
- Feliz dia do amigo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Inalação

Do meu coração só saem suspiros. Meus suspiros são lágrimas, são choro, são revolta, ódio, alegria. Meus suspiros são um sorriso. Meu suspiro é a voz do meu silêncio. Meu suspiro é o teu “eu te amo”. Quando estou com essas pessoas que tanto me fazem bem, perco o fôlego. Quando não estou com quem eu quero, meu coração entra em crise, sem ar. Meus suspiros já não são mais suficientes para todas essas emoções da vida. Sei que meu coração está doente, coitado, tem asma.
                Meu coração precisa de um inalador. Mas para isso precisaria abrir meu peito, tirar meu coração, e fornecer a ele toda a liberdade que precisa para respirar. E eu morreria. Então que fique aqui dentro, com seus suspiros, em sua morte lenta. Só tenho duas escolhas, afinal: extrair meu coração, com todas as suas emoções, juntamente com minha vida que nem sei se ainda é tão preciosa assim ou simplesmente deixá-lo aqui até onde resistirem seus suspiros a todas essas boas e más emoções que o enchem de ar.
                Talvez eu fique com a segunda opção.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Deixem-me

Deixem-me sonhar. Eu sei que já passou, mas deixem-me sonhar que ainda continua. Eu perdi, mas sonho que ganhei. Sonho que sou feliz, que você me ama, que não brigamos, que comprei, que não chorei aquela noite. Sonho, sonho sim. Isso não me deixa feliz, mas, pelo menos, isso me traz, antes das lágrimas, um breve momento de sorriso esperançoso. Eu tenho esperanças, fazer o que? Deixem-me. Sei que nada dará certo, de que tudo isso que espero de você não há mais chances de acontecer, de que você não é o que eu sonhava que fosse, eu sei, deixem-me, mas é inevitável. Está aqui, a esperança está aqui e não posso fazer nada para fazê-la cair na real.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Não confunda

Por favor, não misture tudo. Sinto se não fui claro, mas, por favor, não confunda. Não confunda amizade com algo mais. Não confunda algo mais com amizade. Uma vez certa garota de cabelos encaracolados me falou para não confundir atração sexual com ilusões de amor puro. Mas eu te peço para que não confunda amor puro com ilusão de atração sexual. Não é a mesma coisa. Saiba distinguir. Interprete-me. Entenda-me. Sim, sentimentos são coisas difíceis de serem compreendidas, mas você não se esforçou o bastante para me fazer feliz. Nem a si mesmo.
Ora, são essas confusões, tão simples e complicadas, que geram tanta infelicidade entre nós. Esse clima de tensão, indecisão, insegurança. Sejamos fortes. Tenhamos certeza, fé. Só te peço isso.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Leia as letrinhas

Tento ignorar meus sentimentos e fingir que está tudo bem. Até que dá certo, por um tempo, mas a verdade vem à tona e eu não consigo mais me enganar. É verdade. Eu sinto. Não queria sentir, mas sinto. Não sei bem o motivo, talvez algum tipo de masoquismo espontâneo amoroso. Talvez eu goste de sofrer. Ou, talvez, eu faça isso para provar a mim mesmo que não mereço ser amado. Sou puro tédio, vazio, lamentos e dor. Quem eu não magôo, me magoa. É a vida, um tipo de ciclo vicioso de amor-perda-dor-amor. E sempre há aquela atração por quem não nos quer. Sinto muito, mas é assim. A vida é assim, é como um contrato: se você nasceu, tem que vivê-la.
 Apenas não sei quem assinou tal contrato por mim.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O amor em estado físico da matéria

Cansei de ter esse amor de montanha. De ter que desviar das pedras que descem rolando e ameaçando me esmagar. Do frio que me faz diminuir os passos. Não quero ter que montar uma barraca e esperar no acampamento o tempo se acalmar. A subida dificulta tudo, essa encosta irregular e traiçoeira, buracos, picos, pedras, gelo, tudo tão escorregadio. Dou um passo falso e tudo vai abaixo. A mochila pesa nas minhas costas, meus pés estão congelando. Eu tremo de frio, eu sofro. E esse vento que mais parece uma compressa de gelo. O pico está longe, estou sozinho, não tem ninguém para me auxiliar, nem um helicóptero para me socorrer. As noites são cada vez mais longas e os dias cada vez mais frios. Comida aqui não tem, apenas o pouco que trouxe comigo na mochila.  Pouca alma viva já sobreviveu até aqui onde estou. O pico, cada vez mais perto, cada vez mais longe, mais difícil, mais impossível de alcançar.
Preferia ser um peixe, e que o amor fosse um rio. Ali iria me soltar na correnteza, deixar que ela me levasse. Na água, eu iria fluir. Nadar livremente, sem ter que deslocar pedras, carregar peso ou encarar a falta de oxigênio cada vez maior. Na água, limpa, transparente e aconchegante, tudo seria mais fácil.
           Na água, fluiríamos juntos pela mesma corrente.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

As crianças do passado

Hoje senti saudades dos tempos em que a única saudade que eu sabia sentir era a dos meus pais quando eu ia para a escola. Do tempo em que a única tristeza irremediável era a de perder um episódio de Pokémon. Dos tempos de minha ignorância. Dos tempos da minha inocência. Dos tempos em que toda essa dor se abstraía de mim. De quanto eu não havia sofrido nenhuma perda, não havia preocupações, compromissos, responsabilidades, de quando eu não havia sofrido por amor. Do tempo em que eu nunca havia magoado alguém. Queria poder voltar àquele tempo, avisar a mim mesmo para ter cuidado. Essa vida é traiçoeira, meu camarada, eu avisaria a mim mesmo. Essa vida, meu jovem, é irônica, tem humor negro, então tenha cuidado.
Queria poder voltar no tempo para proteger aquela criança ingênua que não fazia ideia do que estava por vir, do que ela veria, ouviria, sentiria, do que ela sofreria. Coitada daquela criança, meu Deus. Onde está ela agora? Perdida nesse mundo de desgraças, onde a felicidade é um sentimento efêmero e a tristeza perene? Essa criança já não existe mais, nem essa nem as outras. As crianças, todas elas, sumiram do mundo. Preferiram ficar onde elas ficam antes de nascer a ter que dividir conosco esse lugar que chamamos de lar.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Amor puro, ou...

Que alegria contagiante de viver, que lindas são as árvores da paisagem, as crianças a sorrir no parque. Como é bom ver tua boca se desdobrar num sorriso, vendo teus dentes de alegria que me fazem querer imitar. Como é bom sentir a brisa do novo dia que me trará novas esperanças. Como é bom saber que você está na outra linha, na outra tela, me esperando sentado, deitado, dormindo, sonhando. Como é bom saber que estou em teus sonhos, que você está nos meus, que isso não é apenas um sonho. Que vontade louca é essa de viver pra sempre, de guardar pra sempre todo esse sentimento gostoso que parece que nunca vai acabar. Como é boa essa sensação de sentir prazer em todas as coisas, por mais bestas que pareçam. Como é bom ser bobo, como é bom ser bom. Como é bom te amar.
Como é bom ter fé de que isso não passa de mais uma ilusão.



Post especialmente dedicado a Cib e a todas as outras pessoas que acreditam que ainda há felicidade nesse mundo.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Guerra

Coração e cérebro são órgãos em constante guerra. Nunca descansam, esses inimigos mortais. O cérebro está sempre lembrando o coração de suas dores. Enquanto este último impede que o cérebro controle o corpo, fazendo com que façamos as coisas irracionalmente.
                Feliz é aquele que encontra a paz.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Prefira fumar

Meu coração não é forte, então, por favor, pare de fazê-lo trabalhar mais. Não posso ver nenhuma foto sua, ouvir seu nome, ler nada que me lembre você. Sou tão fraco que me lembro de você mesmo quando não há nada que me lembre você por perto. Sua memória é forte demais, penetrou nos meus músculos cardíacos e não quer sair mais. Estes tecidos estão saturados, vão arrebentar. Quero que parem de me dizer que com o tempo vou esquecer. Não vou. Isso nunca acontece. É como a fumaça do cigarro que entra em seus pulmões e fica lá para sempre, até você morrer. Há dados sobre isso, sobre quantas pessoas morrem por ano de câncer no pulmão.
Mas não há dados de quantas pessoas morrem de amor no coração.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Anestesia

Quero uma anestesia. Quero-me sentir entorpecido. Quero que todas essas sensações desapareçam com uma injeção no peito. Não no peito, pois ali já há dor demais. Não quero injeção, quero comprimido, uma coisa que desça direto pela garganta e faça logo efeito. Quero é que tudo isso vá embora, já cansei de me sentir humano.
                Já cansei de todas essas emoções humanas e tudo o que as acompanha. Tenho imaginação suficiente para supor o quão seria mais fácil, pelo menos para mim, viver sem essas emoções. Imagine só viver sem amor, tristeza ou dor. Abro mão da felicidade, sim. Abro mão do prazer. Aposto que vale a pena.
                Aposto que vale a pena qualquer coisa para não se sofrer.

sábado, 5 de junho de 2010

Estesia

Mordo meu lábio na certeza de que essa dor é controlável. Na certeza de que essa dor, ao contrário daquela que me aflige na alma, pode ser curada. Machuco minha pele com a intenção de desviar a atenção do meu cérebro, quero que ele se preocupe com esta dor, e não com aquela outra, que me aperta o coração.
Vou dormir na esperança de sonhar com um mundo onde ninguém sofre com essa doença que chamam de amor. De paixão. Nem sei bem o que é isso. Mas sempre esses sonhos, traidores, me trazem de volta à memória meus agressores, meus vírus, minhas bactérias, todos esses seres malignos que me contaminaram com essa doença.
Será incurável? Será que serei obrigado a passar por isso minha vida inteira? Não há nenhum tipo de transplante ou intervenção cirúrgica que possa nos salvar? Se ao menos essa dor fosse física...
Estas dores, as físicas, podem ser curadas. Ao contrário dessas outras que ficam aqui, num lugar que nem sabemos ao certo onde está. Mas ela está aqui. A dor está aqui.
Só queria saber se um dia ela vai embora.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Metamorfose interrompida

Estava em estado de êxtase puro. As emoções em demasiado faziam seu coração oscilar. Era alegria, energia, amor. Sentia vontade de sorrir, mas sua boca era pequena demais para o sorriso que queria dar a todos. Queria pular, mas suas pernas não alcançavam a altura que almejava. Queria gritar que amava todo mundo, mas suas pregas vocais não tinham tal potência. Queria abraçar, mas o comprimento dos seus braços não era suficiente. De fato, seu corpo era pequeno demais para a quantidade de sentimentos que comportava.
                O que sua alma queria era espaço, era liberdade de sair do seu corpo físico e ser feliz livremente, sem nenhum limite, regra, etiqueta, convenção. Sua alma queria ir atrás dos seus amigos, dos seus amores, da sua família, juntar todo mundo que amava e com quem se importava num único lugar e ficar ali para sempre. Mas a pobre alma estava trancada num casulo desprezível de vida efêmera. Não poderia ser feliz para sempre.
Sua alma estava condenada a sofrer juntamente com aquele corpo.
Pobre alma.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Nuvens se vão, amores no vão

Ele estava olhando as nuvens;
Deitado.
Ao seu lado: ninguém. Na sua frente: o céu.
O céu azul brilhantemente branco e as nuvens enoveladas de maciez.
Nuvens estas que estavam sendo observadas.
Por quem?
Por ele.
Ele olhou para as nuvens e deu um sorriso: lembrou-se de mim. Lembrou-se de mim e seu sorriso desapareceu. Rapidamente as nuvens foram juntas com seu sorriso.
O Sol também.
Com a decepção de uma lembrança desagradável vieram as estrelas.

Veio a escuridão com sua imensidão, e, de uma vez por todas, me apagou de sua memória.
Ele se esquecera de mim.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Da minha (ou nossa?) agonia

Abriu os olhos. E então viu que o tempo não tinha parado. E estava sozinho. De novo. Voltou a fechar os olhos para lembrar-se daquele olhar que o havia intrigado tanto. Aquela expressão... Era de certeza ou de dúvida? Só sabia que o tempo estava louco, como tudo foi passar tão rápido, e agora... Essa espera parecia durar uma eternidade. Por que tudo parecia sempre lhe fugir do controle? Por que tudo não poderia ser simples e...
Seus sentimentos transbordavam, mas não tinham por onde escorrer. Na verdade, não sabia realmente o que sentia, nem ao menos o que queria. Como foi parar ali? Nem sabia o que fazer consigo mesmo. Onde estava aquele frio na barriga, o aperto no coração, a sensação de sufocamento, aquela coisa presa na garganta? Ora vinham, ora desapareciam. Essa inconstância o estava deixando louco. Não agüentava mais ter sua felicidade dependente de uma mensagem, uma ligação, uma palavra, um sorriso. Queria sentir sem nenhuma obrigação ou satisfação. Queria amar, odiar, sorrir, chorar, gritar e não se preocupar com nada.
Só queria ser feliz. Era pedir muito?